Técnicas de montagens: o que podem nos ensinar os antigos

Em condições normais, em circuitos como o do rádio ABC, em cada lado do secundário de +B do transformador podem surgir tensões alternadas de pico de até mais de 380 volts nas placas da retificadora. Supostamente os capacitores de 0,01 µF adotados pelo fabricante nas suas fontes de alimentação serviam para atuar comosupressores de transientes ou snubbers. (capacitores de amortecimento).

É possível também que os transformadores de alimentação empregados pela ABC tivessem capacitâncias internas elevadas, o que poderia ter agravado o problema. A válvula EZ80/6V4 tem tensão máxima limitada entre placa e catodo: daí, para evitar arcos internos na retificadora, a ABC pode ter optado pela colocação de capacitores supressores conectados aos anodos. Podem igualmente os capacitores ter servido para eliminar interferências ou zumbido sintonizado, um outro defeito que às vezes surgia nas montagens. Talvez somente o engenheiro projetista da época poderia esclarecer, com certeza, o que teria obrigado a ABC a adotar esses capacitores nos anodos da EZ80/6V4.

A tensão máxima admissível entre placa e catodo (Peak Inverse Voltage, PIV) da 6V4, segundo alguns manuais, é de 350 V, valor de pico. Essa é a tensão inversa que pode existir entre a placa e o catodo quando a válvula está bloqueando, ou seja, durante o semiciclo negativo da alimentação CA, com corrente máxima de carga de 90 mA.

Caso esse limite seja ultrapassado, produzem-se correntes de fuga internas, pequenas no início, mas crescentes com a degradação. Resíduos gasosos podem ficar ionizados e criar caminhos de condução. Se a tensão inversa for muito alta cria-se um arco elétrico entre a placa e o catodo ─ que termina danificando o revestimento da placa ou, o que é pior, evaporando material do catodo emissor. O getter também fica contaminado. A válvula pode apresentar curto-circuito interno. Quase sempre não volta a funcionar. Os pequenos danos acumulados vão até a falha catastrófica da retificadora.

Considerando que cada braço do secundário do transformador fornece de 250 a 275 VCA, é possível que picos e/ou transientes da tensão alternada ultrapassassem a tensão máxima admissível entre placa e catodo da válvula. Esta pode ser a razão dos capacitores a óleo adotados nas placas.

Como se sabe, atualmente são usados para a função de supressores de transientes de CA capacitores de segurança, tipo X ou Y, com dielétrico de polipropileno. As armaduras dos modernos capacitores com dielétrico de polipropileno suportam regimes de altas tensões de pico e possuem características autorregenerativas. O que não acontecia com os veteranos Cherry, com dielétrico de óleo.

Os Cherry sobreviventes dessa época, possivelmente apresentaram também fugas elevadas na tensão de trabalho: o capacitor aqueceu-se internamente e explodiu pelo lacre isolante. Se o capacitor que entrou em curto não rompesse e se estivesse conectado diretamente à massa, provavelmente teria despachado o transformador para o cemitério.

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